quinta-feira, 7 de junho de 2007

APERTEM OS CINTOS


Eu entro no saguão empurrando o carrinho e respirando fundo. Antes mesmo de sair de casa já passei mal de ansiedade e meu intestino reagiu prontamente, sem falar que a noite foi praticamente em claro. Estou na fila do check-in e como sempre faço, fico observando as pessoas que estão à minha frente, tentando adivinhar quem são, se estão nervosas, ansiosas, ou em algum estado alterado pelo embarque que se aproxima. Eu, estou à beira do pânico.

Sou um entusiasta da aviação. Adoro ler sobre o diferentes tipos de aeronaves, conheço diversos modelos, sei diferenciar um Boeing de um Airbus e considero a aviação uma das mais fantásticas invenções humanas de todos os tempos. Sei que é contraditório, mas apesar de ficar fascinado com aviões e saber do quão seguro é estar dentro de um nos céus, eu fico simplesmente aterrorizado quando viajo de avião.

Recebo meu tíquete de bagagem e vou comer alguma coisa (meu vôo é com a Gol Linhas Aéreas), e logo já estou sentado na sala de embarque.
Minha barriga dói, não paro com as mãos, suo frio; olho os outros passageiros e logo já estou imaginando que, se o avião cair, aquelas serão as últimas pessoas que verei na vida. Penso no acidente do Legacy, em cair no meio de uma floresta ou (terror!) no mar. Olho pela vidraça e o céu está nublado, vai balançar na subida - penso. A subida é uma fase crítica do vôo: asas cheias de combústivel, força total nos motores e um peso de 45 mil quilos sendo empurrado pra cima; uma emergência numa hora dessas é pra matar qualquer um do coração.

Finalmente, depois de 01 hora de atraso do horário marcado pra saída, uma funcionária "convida" todos nós a nos dirigirmos para o embarque. A única coisa que me vem à cabeça é que dentro de mais alguns minutos eu estarei preso dentro daquele charuto de aço subindo a mais de 400 por hora; seja o que Deus quiser.
Quando entro no avião, nova surpresa: a aeronave original seria um Boeing 737-800, mas devido a quantidade de passageiros a empresa trocou por um 737-700, ligeiramente menor, resultado: quem iria sentar nas últimas poltronas (como eu) não tem mais lugar marcado já que , no meu caso, a fileira 27 não existia.
Sempre que viajo de avião faço questão de ir na janela e sentado ao fundo da aeronave, estatísticas comprovam que sobreviventes de acidentes aéreos estavam sentados nas últimas fileiras e, portanto, já penso nisso no momento da reserva. Entretanto, com a mudança de equipamento sou encaminhado pra sentar numa poltrona (janela)...em cima da asa!

Pra quem não sabe, nas asas dos aviões fica o combustível. Não é preciso ser muito perspicaz pra saber que em caso de acidente, os primeiros a morrerem queimados são os que sentam nas poltornas sobre a asa, logo, eu já adiciono mais esse detalhe à minha lista de elementos trágicos quando estou em vôo. Ah, e também nas asas há maior instabilidade, pra quem fica apavorado é um prato cheio.
Já sentado em cima da gasolina, digo, poltrona, olho desconfiado em volta, procurando alguém que possa, naquele momento, ser cúmplice do meu medo. Invejo aqueles que entram num avião e ficam com ar de tédio, tranquilos...alguns até dormem!

O 737 começa a taxiar. Minhas mãos suam, não tiro o olho da janela. Observo lá fora o aeroporto e logo atrás a avenida com carros passando. Meu Deus, talvez seja a última vez que estou vendo aquilo! Penso no meu pai, na minha vida; meu coração quase saindo pela boca. Os minutos que levam pra aeronave chegar até a cabeceira da pista são um prolongamento da expectativa aterrorizante de ganhar os céus. Logo, logo estarei subindo; dou mais uma olhada e disfarçadamente entrelaço minhas mãos e rezo um Pai-Nosso, mais discreto ainda, faço um sinal da cruz e dou um suspiro. Tá chegando a hora.

Avião parado na cabeceira, e o barulho dos motores da turbina. Já me antecipo e lembro que logo após iniciar a subida ouvirei um barulho no assoalho - os trens de pouso se fechando, aposto que muita gente se assusta. Então, começamos a correr pela pista, motores rugem e me seguro na poltrona, minhas mãos a essa altura molhadas, minhas axilas idem; descolamos do chão, estamos subindo meu Deus! Setenta mil quilos vencendo uma força gravitacional que nos puxa pra baixo.
Imagino uma explosão - morte imediata, nada de dor. E se o avião inclinar-se e começar a perder altura? Será que o transponder opera normalmente? Fico dizendo pra mim mesmo o quanto sou maluco e que não deveria preocupar-me tanto com um transporte absolutamente seguro, mas alterno com as imagens de uma possível emergência ou mesmo uma tragédia.

Claro que todo esse desespero é irracional, não controlo. Sei que aviões são o meio de transporte mais seguro, mas é fato que os outros transportes não estão o tempo todo indo de encontro as leis da física que contradizem o ato de voarmos artificialmente. Além do mais, aviões são feitos pra queimar: além de todo material interno ser altamente inflamável, carregamos toneladas de combustível, numa velocidade de 800 kilômetros por hora, num meio de -30 graus celsius e a 10 mil metros de altura. Tem tudo pra dar errado.
Logo que estabilizamos começo a me acalmar. E daí vem a melhor parte da viagem, onde eu realmente curto e consigo esquecer todo o mau agouro, ainda que momentaneamente, pois basta entrarmos numa zona de instabilidade, pronto: o avião começa a tremer e eu inicio o mantra: "está tudo bem, calma, não é nada...vai passar."
Outra coisa que me dá nos nervos: curvas. Não gosto de avião fazendo curva, e se for daquelas bem fechadas (!), com uma inclinação grande eu logo me vejo despencando lá de cima.

Metade da rota é feita sobre o mar. Mais um motivo pra pensar que num eventual pouso de emergência, tubarões estarão à espreita. Olho a distância do continente para o ponto em que estamos e deduzo que se eu escapar de um pouso ali no atlântico, não terei forças pra chegar em terra firme batendo os pés e agarrado em meu assento flutuante. Em se tratando de Brasil, sou pessimista, a Marinha demoraria horas pra nos resgatar e seríamos todos devorados por tubarões famintos.
é servido o...bom, pelo horário, deveria ser o almoço, mas como estou voando pela Gol, recebo minha barrinha de cereal e minha Pepsi-Cola com gelo.
Já mais calmo e num vôo tranqüilo, quase sem trepidação, folheio uma revista, porém sempre de olho na janela.

Começamos a descida e lembro-me das estatísticas: a aterrissagem, ao contrário do que muitos pensam, é o momento em que ocorrem a maioria dos acidentes aéreos. Além de perdermos altura rapidamente, o avião vai diminuindo sua velocidade quanto mais desce, até a metade. E eu já sabia o que teria pela frente: São Paulo estava com uma frente fria há dias, céu carregado de nuvens e chuva; tempo fechado, lá vamos nós.
Atravessamos a primeira faixa de nuvens, as mais fininhas (cirros) e até que não foi tão mal assim; logo abaixo, vejo pela janela que uma verdadeira muralha de nuvens carregadas nos esperava em breve, começo a suar novamente.

Se já não bastasse a travessia da barreira de cúmulos e nimbos, o piloto me vem com essa: " - srs. passageiros, recebemos a informação da torre de controle de que devido o mau tempo e o fechamento de uma das pistas do aeroporto de Congonhas, nossa aterrissagem será mais demorada e ficaremos sobrevoando a região até o momento em que recebermos autorização para pouso. Temos várias aeronaves aguardando nesta região e teremos mais um tempo de vôo." O avião mergulha dentro das nuvens carregadas e começa a chacoalhar.

Como se meu pavor não fosse ainda suficiente com a aflição de uma aterrissagem em meio ao mau tempo, a trepidação angustiante e a menor velocidade, estamos voando em círculos, no meio de nuvens carregadas e na companhia de outros aviões ao nosso lado! Tento disfarçar meu pânico e sorrio amarelo pra minha vizinha de poltrona: "- é, vai atrasar meu dia...", digo sem muita convicção; o que eu queria mesmo era sair dali o mais rápido possível.
Pela janela não se vê nada, só o branco das nuvens em volta, não sei onde estamos, o que está abaixo e quem está acima de nós. Lembro-me que os controladores de vôo trabalham sobrecarregados, que o tráfego aéreo de São Paulo é o maior da América do Sul, que a CPI do apagão aéreo não vai dar em nada, que o Ministro da Defesa é um incompetente e Lula, bom, Lula diz que vai tudo bem nos céus do Brasil.
Ficamos nesse tormento uns 15 a 20 minutos; não se via nada pela janela e eu imaginando nosso avião sendo rasgado por outro na direção contrária, despencando em pedaços sobre São Paulo e eu sendo "enterrado" numa cerimônia simbólica. Era o fim.
Finalmente o piloto avisa que iniciaremos a aterrissagem e passamos das nuvens carregadas, aos trancos; avisto a cidade abaixo, "falta muito pouco" - penso eu, e mais alguns minutos sinto o baque seco do avião tocando a pista. Sobrevivi.

Tento disfarçar meu sorriso de satisfação e meu alívio por estarmos em terra firme. Olho em volta, todos bem, tudo certo; tomara que não esteja muito frio lá fora. Quando o avião estaciona, mais uns 10 minutos até a fila de passageiros começar a andar e eu finalmente ponho a cara pra fora da cabine: 12 graus em São Paulo, um frio de rachar. Desço as escadas , olho com admiração para o 737-700 imponente parado à minha frente e sigo adiante, reverenciando-o. Eu realmente adoro viajar de avião, apesar de passar por todo esse sufoco silencioso. Mais alguns dias e lá estaria eu de novo, na viagem de volta; lembro que dessa vez será de madrugada, sinto um frio na espinha e balanço a cabeça, disfarçando um sorriso.

6 comentários:

Anônimo disse...

Essas angustias em vôo são incriveis.

Pior é quando se esta em avião bimotor,certeza não tem muita escapatoria(hehehehe)

Nos 747 as vezes viajei em classe club e evidamente,a classe club é na frente, com as poltronas bem largas champanhe, caviar e atenções etc...Mas é certo a passagem é carrerrima pra ter conforto e se tiver algum problema,é na certa que o preço alto, é no cartão de credito e na vida que se vai rapidissimo.

Agora, se viajo, prefiro classe normal na calda do avião não muito, prefiro o corredor pra mim é mas seguro sem ser (heheheheheh)

Meu Coração disse...

Oi,
Achei muuuuuuuuuuuuuito engraçada essa situação que vc colocou... Sinto a mesma coisa qdo viajo de avião, e com um agravante: moro em São Luís - MA, então não há outra forma "menos demorada" para viajar, só me resta o sofrimento! rsrsrsrsrsrs
Abraços!

Paula Cavalcante disse...

Olá!

Faço parte de uma comunidade sobre medo de aviões no orkut e colocaram um link do seu blog...

Caramba... Embora tenha rolado de rir lendo seu post, fiquei de mãos suando e coração disparado, pois, como você, eu tenho adoração e terror por aviões.
Acho-os lindos, lá, parados, imponentes. E admiro a decolagem, aterrissagem - desde que eu esteja lá longe, observando...
Já deu altos fiascos. Você ao menos sofre calado :)) Eu choro, grito que o avião vai cair...

Parabéns pelo blog, muito legal!

Colorados DF disse...

Amigo....muito boa sua impressão de viagem. Tudo que você escreveu é o que sinto nessas horas.

valeu

Anônimo disse...

Mau, belo texto!

Sheila Tonietti disse...

Vi o link do seu texto no orkut.
Puxa, tenho as mesmas sensações e os mesmos pensamentos.
Eu não descreveria o meu medo de uma forma melhor...