terça-feira, 19 de junho de 2007

LINGUAGEM CIFRADA

Eu não entendi a Pedra do Reino, alguém entendeu?
As chamadas na Globo anunciando a microsérie, somadas a uma grande cobertura da imprensa à respeito do projeto quando ainda era filmado em Taperoá, criaram uma expectativa grande. No primeiro capítulo uma profusão de imagens, sons, música e texto me deixaram meio zonzo. Deve ter alguma coisa errada comigo, pensei, mas não conseguia pegar o fio da meada e não entendia patavinas do que acontecia na telinha. Terminado o primeiro capítulo, ainda zonzo com o que tinha visto, decidi assistir no dia seguinte o segundo, pois talvez as idéias clareassem na minha mente e pudesse então acompanhar a história.
Mas que nada, assisti o segundo e metade do terceiro pra desistir da Pedra do Reino. Conversando com as pessoas, pareceu-me que o problema não era comigo, e sim da série, ninguém entendeu nada.
Claro que a narrativa tradicional na televisão foi revirada pelo avesso na adaptação do livro de Ariano Suassuna. É bom que se quebrem paradigmas na tv e novas formas sejam testadas na televisão. Antes mesmo da estréia, o diretor já anunciava uma "quebra" dos conceitos estáticos típicos da tv e falava numa nova forma de "apresentação", saindo do lugar comum que a tv de massa transita em termos narrativos e testando uma nova forma de se fazer televisão. A série prometia, mas foi rejeitada pelos telespectadores.

Ainda que seja bastante positivo a proposta de mais um caminho dramático como alternativa ao padrão clássico, a Pedra do Reino talvez tenha ido ao extremo sem passar por um meio-termo, permitindo ao telespectador que se familiarizasse com uma linguagem mais experimental, para testar mais adiante mudanças tão radicais. O público que assiste tv aberta foi acostumado as narrativas do folhetim, ao padrão clássico do cinema com história de começo-meio-fim e a facilidade do próprio roteiro "entregar" uma história pronta para consumo. Mas o diretor Luiz Fernando Carvalho foi muito além num primeiro momento ao exigir do público uma compreensão de imagens, sons e textos soltos, sem uma ordem lógica de acontecimentos, deixando para o telespectador uma profusão de informações que o levaram ao desinteresse. Se no cinema escolhe-se o filme que se vai assistir e existem diferentes formas de narrativa, da clássica às mais experimentais, atendendo ao desejo de diferentes públicos, na televisão uma ruptura tão grande na forma tradicional pode confundir, e pior, afugentar a audiência.

Mas não se deve negar o mérito da Pedra do Reino. A Globo permitiu-se ousar e apostou (e não é a primeira vez) num produto de resultado estético e dramático à frente do que se faz em muitas televisões do mundo. A fotografia, cenários, figurinos e a linguagem cênica são de encher os olhos; o elenco, formado por atores locais (com exceção de Cacá Carvalho) e sem os rostos plastificados e sem-talento comuns das novelas deu um show de interpretação e mergulhou no universo lúdico de Ariano Suassuna; a preparação deles e do restante da equipe foi primorosa e deu-se ao luxo de requintes utilizados no cinema. Ainda que tenha sido confuso de assistir o desenrolar da história, é inegável a contribuição que o projeto deu para a própria televisão no Brasil; talvez o passo tenha sido grande demais ou mesmo confuso, mas abriram-se novas possibilidades na tv.

2 comentários:

Enéas Bispo disse...

Lendo o seu texto ficamos sem saber se você quer elogiar ou esculhambar a série.
Mas só quero lhe dizer que a obra do meu querido conterrâneo Ariano, não é fumo-de-rolo para ser "experimentado" nessa linguagem que tenho certeza que ninguém tá compreendendo.
Deveriam ter feito numa linguagem intermediária, onde todos podessem compreender a proposta da obra.

homero disse...

Esteticamente fantástica a leitura do Luiz Fernando sobre a pedra do reino. Aberta a novas possibilidades, sim, mas, incontroverso que a linguagem foi, por demais, hermética. Não consegui assistir a tudo, tentarei novamente quando sair em dvd.
Bjus