
Tem coisas que são difíceis de acreditar, como a tal polêmica do parque em Boa Viagem. Existe um terreno imenso, que há anos está abandonado; depois de todo esse tempo em que nada foi feito ali, finalmente tem-se um projeto para seu uso: um parque público, em que, finalmente, a Zona Sul do Recife terá um espaço aberto a todos. Vencida a burocracia para liberação do terreno, nosso prefeito batiza o que virá a ser um futuro parque para a população com o nome da mãe do atual Presidente do Brasil - Parque Dona Lindu.
Não sei quem foi Dona Lindu ou o que ela fez de relevante para o país. Não vale dizer que ela pariu o Presidente; parir alguém, apesar de extraordinário é comum a toda mulher; denominar o parque com este nome demonstra a confusão que se faz neste país do uso dos bens públicos, da politização e do partidarismo.
Ora, por mais que eu simpatize com o prefeito do Recife, não vejo necessidade nenhuma de dar o nome da mãe de Lula para um parque. Este tipo de coisa (o partidarismo, a politização) deveria ser terminantemente proibida, ainda mais com tantos nomes realmente dignos de se homenagear num espaço público. Mesmo que a população inteira do município fosse filiada ao PT, ainda assim, não vejo mérito nenhum em Dona Lindu.
Além da homenagem descabida, a grande questão em torno do parque é o projeto deste em si. Oscar Niemeyer, que dispensa apresentações, projetou o que poderá ser o futuro parque; e tão logo a maquete foi apresentada iniciou-se uma celeuma na cidade.
Editorias em jornais, cartas de leitores publicadas, opiniões de colunistas, matérias na televisão, além de inflamadas discussões em comunidades do Orkut. Até mesmo os vereadores e deputados estaduais, como não poderia deixar de ser politizaram o projeto! Levantando bandeiras pró e contra o tão aguardado parque. No projeto apresentado, o parque constará de um teatro, galeria, além de quadras poliesportivas , jardins, etc. Foi só a maquete aparecer numa coletiva de imprensa que logo instalou-se a polêmica: reclamações e injúrias contra o projeto.
O que poderia ser uma saudável discussão democrática sobre as necessidades da população, em relação a um parque, acabou virando um festival de arrogância, preconceito, e demonstração de total falta de interesse genuinamente público. Aliás, discutir o tal do “interesse público” ainda engatinha no país. No Brasil não temos o hábito de discutirmos nada; propostas e debates em sua grande maioria são feitos por uma minoria realmente interessada nisto, e quando se começa um debate aqui geralmente se desvirtua: temos a Igreja se intrometendo nos indivíduos, temos os evangélicos com sua bancada rica e poderosa, temos os políticos como um todo, que manifestam-se não de acordo com princípios de ética e bom senso, mas apenas com troca de favores e benefícios, só pra citar os mais óbvios.
Uma jornalista escreveu um artigo num jornal daqui (não lembro, mas talvez tenha sido o DP) de que a tal preocupação dos cidadãos que são contra o projeto, na verdade são dos moradores que moram em volta do terreno onda ficará o parque: moradores de prédios de luxo de Boa Viagem que entendem o parque como uma extensão de suas próprias casas. Foram estes cidadãos que organizaram comitês e arrebanharam políticos para protestar com o “excesso de concreto” de Niemeyer.Na opinião dela, e na qual eu inteiramente concordo, estes nobres moradores devem estar achando que o interesse público resume-se ao interesse deles próprios; querem um grande jardim para que possam deixar as babás tomarem conta dos seus filhos e que o povo fique bem longe dali. Teatro ao ar livre? Espaço para eventos públicos? Deve causar arrepios em suas peles bem tratadas imaginar o povo num show ao ar livre, por exemplo. O povo, aquela gente feia e desarrumada que a elite deste país tem horror. Além da profunda ignorância quanto a obra de Oscar Niemeyer, é notório que nossa elite, nossa classe média, entende como “seu” o que é “de todos”, acha que podem fechar ruas, isolar praias e assim por diante.
Não demorou para os políticos de oposição ao Prefeito tomarem suas posições e formarem um movimento de “valorização da arquitetura pernambucana”, ou mesmo de bradarem que “Boa Viagem precisa de verde”, houve até alguns que lembraram do aquecimento global. Mais previsível, impossível
Logo, logo a discussão ganhou espaço e foi parar nos fóruns e comunidades do Orkut. Foi aí que o festival de estupidez tomou mais forma. Primeiro, transformaram um dos maiores e mais importantes arquitetos do mundo num representante da opressão sulista contra o Nordeste. Sim, basta ler nos tópicos iniciados que as pessoas chegaram ao cúmulo (não ao ápice, ainda) de dizer que Pernambuco não deve se curvar contra este arquiteto do Sudeste do Brasil; de que não precisamos de Niemeyer, de que ele só entende de concreto, de que Pernambuco tem orgulho de sua cultura. Dá pra acreditar nisso?
Que me conste a importância de Oscar Niemeyer é nacional, orgulho brasileiro; suas obras são catalogadas, visitadas e viram referência onde quer que estejam; essa tal “opressão” que vem de cima demonstra não apenas um complexo de inferioridade ainda arraigado por aqui, mas como total falta de nexo entre os argumentos e os fatos em si.
Aqui em Recife, capital de Pernambuco, temos um curioso apego à nossa cultura, que, é claro, é riquíssima e motivo de orgulho, mas não vejo como algo maior ou menor do que a cultura de qualquer outra cidade brasileira, não se mede a cultura de um povo. O que acontece aqui é que temos um ranço guardado em algum lugar da alma e qualquer ameaça ante à “superioridade cultural pernambucana”, todos pegam suas armas.
Seria ótimo se usassem este ímpeto em bradar sua identidade para manutenção dos museus, tão abandonados, para projetos de incentivo á cultura nas escolas, até mesmo de promover o frevo nas rádios, por exemplo, entre tantas outras coisas. Mas claro que isso não acontecerá, visitar museus, por exemplo, é coisa de passeio de escola pública ou programa pra gringo ver, a classe A/B não faz esse tipo de programa, não se mistura.
O projeto apresentado, por sinal, contempla de área construída 40%. O restante contempla os jardins e claro, poderia ser ainda mais melhorado, desde que se houvesse uma discussão livre de todos os fatos citados acima, mas isso é muuuito difícil.
Recife ganharia com este parque não apenas uma área de convivência e lazer, mas um monumento público do mais importante arquiteto brasileiro, que daria, sem dúvida, um atrativo bastante significativo à cidade, tão pobre de monumentos públicos. Só me recordo, agora, da obra de Brennand como única referência (que é lembrada como o “pinto do Brennand”), localizada em frente ao Marco Zero da cidade. Ganharíamos mais um teatro e todo este conjunto arquitetônico valoriza a visão do mar, que fica logo em frente ao terreno da futura praça.
Enquanto isso as discussões inflamadas prosseguem. Pobre Niemeyer, talvez nem esteja a par do que vem sendo dito sobre sua obra, e os políticos da oposição querem até organizar um concurso entre os estudantes da UFPE (do curso de arquitetura), para valorizar a “importância do arquiteto pernambucano” e dar uma oportunidade aos estudantes da terra. Seria mais honroso, talvez, se os nobres políticos organizassem um concurso nestes moldes para que se reformassem as 72 escolas públicas que foram fechadas há uma semana, por não terem a mínima condição de funcionar devido aos estragos da estrutura, só pra citar um exemplo, aposto que seria bastante proveitoso. Fico imaginando essa confusão ainda maior se Niemeyer fosse baiano, aí seria guerra civil declarada.

4 comentários:
Mau, muito boa escolha de tema. Li hoje uma opinião no JC. Dizia que tinha de ter mais verde. Que Niemeyer nunca esteve em Recife pra ver o parque, que ele deve ter feito o esboço em um guardanapo. Criticava o nome, sim, e falava do excesso de concreto. Isso é uma generalização best, né? Por outro lado, dizia que Recife já tem áreas para shows subutilizadas. O Geraldão, o Santa Isabel, a Federal etc. Concordo com o teu ponto de vista. Mais de 72 escolas públicas estão aí, capengas e a sociedade civil não se mobiliza. Agora, para um parque voltado para as elites, acho que vão na casa do Brigadeiro para ele liderar a revolução. Abraços.
Meu filho!
(Eu tenho 69 anos, por isso te chamo de filho.)
Entendi muito bem o que você escreveu e gostei muito.
Não sou povo, nem sou elite, e tiro o chapéu para o "tapa" que você deu na elite de Pernambuco.
Em relação ao nome de Dona Lindu, não concordo com você, me senti até magoada, porque entendo que a homenagem não é porque ele é a mãe do Lula, mas é porque ela é uma pessoa boa e honesta (mais do que os políticos e a elite de Pernambuco).
Desculpe meu entusiasmo na defesa do nome de Dona Lindu.
Beijo grande.
Ireuda (mãe de Beth)
D. Ireuda, fiquei muito feliz em saber que a sra. leu o que escrevo aqui. Concordo que Dona Lindu tenha sido uma pessoa boa e honesta, não quis, em momento algum ofender ninguém, mas não posso deixar de afirmar que a escolha do nome dela para o futuro parque tem um motivo político, e isso não diminui em nada a dignidade que D. Lindu carregou durante toda vida, como tantas mulheres sertanejas que enfrentam uma vida dura. Eu me referi à associação pelo fato de ambos o Prefeito e o Presidente serem do mesmo partido. Mas obrigado pelo comentário!
Um beijo grande!
Brilhante texto e argumentos!
bjo grande
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