
Roberto Carlos teve uma atitude de rei. Daqueles reis tiranos que permeiam a imaginação de todos e que ao longo da vida são retratados em filmes, desenhos, na literatura. Certo de que a alcunha popular de rei da música brasileira lhe permite passar por cima da livre expressão, Roberto Carlos impediu a comercialização de um livro biográfico que retrata em detalhes aspectos de sua vida e carreira, com um panorama da própria música brasileira, da importância da Jovem Guarda e esmiúça uma obra que permeia a vida desta nação.
Foi um grande erro seu, Roberto. Você não tinha este direito. Ainda que o argumento de invasão à vida privada seja um fato consistente, a Constituição garante a livre expressão. Sua imagem é pública; seus amores, tristezas e canções são de conhecimento de todos. A justificativa de que a obra vai de encontro à sua honra e sua imagem é uma grande mentira. O livro não relata nada que desabone sua figura pública e as histórias lá contadas, tais como a de sua perna mecânica, a doença de Maria Rita ou a noite de sexo com Maysa, não são nenhuma novidade que ponha por água abaixo sua reputação ilibada.
Ser Roberto Carlos deve ser um fardo pesado de se carregar. Talvez por se manter recluso diante da esmagadora pressão quando sai às ruas e pela expectativa que deve acreditar gerar nas pessoas (e que é verdadeira); sem contar as histórias de excentricidades, e de ser chamado de Rei onde quer que esteja.
Adorado por uma nação, respeitado por seus pares e reverenciado pela mídia, Roberto acreditou estar acima do bem e do mal. Ignorou a importância de se haver obras que retratem personalidades históricas, artísticas e tantas outras que fazem o espelho de um povo.
Já saídos da ditadura e ainda convivemos com esse fantasma, o que Roberto Carlos fez foi censura de fato. Impediu um livro de circular e ainda ordenou a entrega de todos os exemplares para serem incinerados, tal como já se fez em tempos sombrios por aí afora. Poderia ter sido mais elegante e menos tirano, ficaria mais condizente com o que se espera de um verdadeiro Rei. A Rainha da Inglaterra, só pra citar um exemplo entre seus colegas de sangue azul, aguenta calada por anos a fio uma pressão bem pior e infinitamente maior; sórdida, eu diria. Mas se não fosse pelos livros que levam a sério sua figura pública, não se saberia quem é a Rainha da Inglaterra.
Ser uma pessoa pública, seja de que área for, é estar preparado a passar pelo crivo popular. Nós anônimos guardamos nossas vidas, não somos do domínio público e apenas os que privam de nossa intimidade sabem de manias, virtudes e defeitos. Ao contrário de Roberto Carlos, que com o apoio de um Juiz incompetente e claramente embasbacado com a presença do Rei em sua sala de audiência, bandeou-se para o seu lado, como um autêntico súdito...ou talvez um bobo da corte. Esqueceu-se de conferir na Constituição as garantias que dão respaldo à livre expressão intelectual e artística. O Juiz estava tão encantado que até presenteou Roberto com um cd gravado pelo próprio, quem sabe não é convidado a cantar com ele no especial de final de ano.
A editora covardemente aceitou todos os termos e já entregou uma leva de 10.500 exemplares num depósito que pertence a Roberto Carlos; os artistas se acovardaram em sua maioria e não comentam a censura, pelo menos até agora poucos condenaram a atitude imposta pela justiça (ou pelo Rei) , como Caetano Veloso e Paulo Coelho, este último em carta aberta onde critica duramente inclusive a Editora Planeta, na qual também é publicado.
Fica-se agora uma previsão sombria: essa atitude vergonhosa poderá abrir caminho para outros tipos de cerceamento de nossa liberdade de expressão, e mais ainda, tolher a própria liberdade das editoras em publicar suas obras. Decididamente demos um passo para trás.
E com tudo isso, Roberto Carlos perdeu um pouco da aura de inatingível, desceu do trono e tornou-se um plebeu, cheio de defeitos e idiossincrassias. Mas quem perdeu mesmo não foi ele, e sim nós, seus súditos.
OBS.: mesmo com o livro proibido, pode-se achar tranquilamente na internet cópia do texto integral. E uma vez jogado na rede, não há quem impeça o acesso à obra. Em alguns sites o livro original está sendo leiloado até por 150 reais, e isto é só o começo.

4 comentários:
Muito bom o seu texto! Compartilho com voce a mesma opiniao. Fiquei triste e ate' envergonhada com a atitude do Roberto. Apesar de admira-lo como artista e como pessoa, nao consigo endeusa-lo. E tambem nao cabe `a mim julga-lo, mas a decepcao agora foi maior que a admiracao. Impedir a liberdade de expressao, recolher e queimar livros e' um ato de arrogancia e ignorancia, coisa que casava bem com o periodo sombrio da ditadura militar. Vejo que esse fantasma ainda existe e pode ser acordado em atos como esse e, vergonhosamente, com o apoio da "justica". E' uma pena; e' muito triste! O "Rei" nao acordou da monarquia.
Excelente opinião Maurício. Bjo p tu!
"Poderia ter sido mais elegante e menos tirano, ficaria mais condizente com o que se espera de um verdadeiro Rei". É tudo o que gostaria de dizer! Li o livro, amo Roberto e fiquei decepcionada com sua atitude.
Good point, though sometimes it's hard to arrive to definite conclusions
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