terça-feira, 24 de abril de 2007

O X da Questão



Os vídeos feitos para internet alastram-se de maneira atordoante. Tudo pode ser garimpado, pesquisado, reencontrado e reutilizado. Em meio ao turbilhão de "novas novidades" que a indústria cultural insere nesse contexto de imagem a ser veiculada incessantemente, e assim moldar comportamentos, o consumo de massa entre os jovens é o ápice deste sistema. Os vídeos, que agora já não são mais monopólio da MTV (e que agora curva-se à internet), mostram uma imagem moldada e pasteurizada, gerando formas que podem tornar-se repetitivas quando não encontram outros caminhos mais difíceis.

Atualmente a imagem de juventude e sucesso nos vídeos feitos por essa cultura de massa, jovem e disposta a consumir é algo que reflete nas ruas a postura, roupas, música e desejos de ambos os sexos. São tantos artistas utilizando-se da imagem e ao mesmo tempo sem dizer nada com muito sentido; às vezes sem dizer absolutamente nada relevante. Diante de tantos artistas gritando palavras de ordem alusivas ao próprio corpo, ao sexo e ao consumo, um vídeo em especial foi lançado na web sem alarde e contra tudo que essa indústria prega: a versão de MY HUMPS, feita por Alanis Morrissette.
No Youtube é um fenômeno: em menos de 03 semanas ultrapassou a marca de 6 milhões de acessos. Á primeira vista pode parecer mais uma paródia, no caso, do vídeo original de MY HUMPS, originalmente gravado pela banda Black Eyed Peas, tendo a vocalista Fergie como principal atrativo do mesmo. Existe um subtexto bastante interessante no trabalho de Alanis nesta versão - crítica social, sátira e uma afirmação de sua própria imagem dentro da indústria.

Na versão original, o vídeo é bastante sugestivo e não se utiliza de meias palavras. Mostrando a vocalista em poses sensuais e provocando o desejo masculino, Fergie aparece abaixando-se em poses sexuais ao lado de dançarinas que vão no mesmo embalo. O timbre vocal remete a uma voz infantilizada, denotando uma aparente inocência disfarçada de permissividade. Fergie usa jóias, vira as nádegas para a câmera e símbolos de status como diamantes, ternos, motos e carros de luxo desfilam no vídeo. My Humps significa "minha bunda" e este é o mote da letra em que narra a valorização de suas nádegas como combustível para se adquirir roupas de grife, sexo com o "homem certo", jóias, fama e fortuna. A letra é direta:

"Eu levo esses babacas à loucura
Eu mando ver diariamente
Eles me tratam muito bem
Eles me compram muitos diamantes
Dolce e Gabbana,
Fendi e depois Donna
Karen, eles dividem
Todo o dinheiro deles me veste
Meu amor, Meu amor, Meu amor, Meu amor,
Você ama minhas belas curvas,
Meu balanço, meu balanço, meu bumbum,
Meu bumbum encantou você
Ela me faz gastar
Eu vou te fazer gritar, te fazer gritar!
Por causa da meu bumbum, meu bumbum, meu bumbum, meu bumbum
Minhas amáveis curvas femininas (olha só)"


Enfim, nada muito diferente do que se vê em Beyoncé, Aguilera, Britney, Lopez, Janet, TLC, Shakira... e a lista é imensa. O vídeo do Black Eyed Peas obteve um enorme sucesso e catapultou as vendas do disco.

Na versão de Alanis Morissette, ela aparece vestida no mesmo estilo de Fergie no vídeo original; rodeada também de homens que oferecem os símbolos de status ostentados pelo Black Eyed Peas. Mas ao contrário da batida funkeada e da levada hip-hop da primeira versão, Alanis está acompanhado ao piano, numa versão desacelerada que contrasta com os movimentos dela e dos outros dançarinos - em outro ritmo, mais rápido que o instrumental. Com a ausência da batida possante, a letra fica evidenciada, transformando o vídeo numa triste constatação do que significa seus versos e fazendo uma auto-paródia de si mesma no meio disso tudo. Alanis tem uma idade aproximada de Fergie (mais de 30) e com uma certa dose de angústia e sarcasmo remexe o corpo desajeitadamente sob shorts colados, faz as caras e bocas de praxe (mas com um ar irõnico) e insinua-se para os homens que a cortejam. A atitude de contestação perpassa o vídeo e mistura-se a uma forte dose de tristeza, entusiasmo e euforia, sim, porque apesar de ser uma paródia, há um lado triste que fica evidenciado nas entrelinhas do clipe.

É importante notar a forte dose de auto ironia feita por Alanis em sua versão de My Humps e a maneira como a própria se situa no contexto deste vídeo. Quando a cantora surgiu, em meados de 1995, praticamente todas as cantoras que estão no topo da indústria musical de hoje não haviam alcançado reconhecimento. Alanis Morissette vai na contramão do que se faz no mainstream pop feminino atual - e ela faz parte deste cenário, ainda que sua música não contém a mistura de rithym and blues e nem abusa da imagética "mulherão ambiciosa" e mulher-objeto que permeia os vídeos feitos por suas colegas de estrelato. Exatamente por isso, ela não está, hoje, entre as artistas mais populares tocadas em rádios (principalmente nos EUA), nem na pauta dos principais programas de tv para o público jovem consumidor entre os 15 a 20 e pucos anos.
A visibilidade que o vídeo alcançou no YOUTUBE permitiu que esta massa consumidora jovem, que tem o black Eyed Peas como um dos principais produtos desta indústria tivesse acesso livre e espontâneo a Alanis Morissette, uma forma inteligente e sem precisar se dobrar aos ditames do mercado

O vídeo foi feito em sua casa, com uma câmera digital e custou 2.000 dólares, dinheiro que não paga nem uma peça de figurino utilizado nas grandes produções, feitas de forma rotineira. Um crítico americano chegou a dizer que este vídeo fez por sua carreira o que Pulp Fiction rendeu à John Travolta. Exageros á parte, Alanis Morissete não capitalizou as atenções dispensadas com sua veiculação. Ela não está lançando um disco novo, não fez um filme, não há um projeto especial, turnê, nada. Não deu uma única entrevista sobre o assunto e nem lançou single, apenas produziu e soltou na web, com dinheiro do próprio bolso (o que, convenhamos, pra ela não é nada).
Não houve debates e ela declinou de qualquer aparição promocional na mídia para divulgação - o que dá uma credibilidade às suas convicções e por tabela a valoriza como artista. Num tempo em que todo mundo fala sobre tudo, artistas anunciam seus gostos e compras, falam sobre namorados, divagam sobre si mesmos e aproveitam todos os tentáculos desta indústria, Alanis optou pelo silêncio - ponto pra ela.
A critica social, que aparece bastante clara, levantou debates sobre a "objetização" da mulher e fomentou discussões pela internet. O vídeo vem sendo utilizado como embasamento para diferentes discussões em blogs, revistas virtuais, organizações feministas, fórums, contra a sexualização e todo tipo de assunto; afinal, na web permite-se falar sobre tudo. Num mundo onde tudo é analisado, exposto consumido e descartado, algo que não venha com o "kit de instrução" pode ser muito bem aproveitado. Menos é mais.

3 comentários:

Anônimo disse...

cara.
nem preciso falar nada né.

vi seu tópico na commu da alanis, vim ler, mas preferi comentar aqui.

fantástico.

realmente gostaria que seu texto se espalhasse mais.
é muito bom que as pessoas não apenas vejam o vídeo, mas entendam o que ele significa
(até porque, muitos comentários no próprio vídeo, eram de pessoas levando aquilo realmente a sério, provavelmente fãs de black eyed peas. hehe)

abraços, e continue assim. ;)
o/

Artur Lins disse...

Mau, adorei sua dissecada dos clipes. A Alanis estava sensacional. Do quadril!

Dulce disse...

Alanis is brilliant!
O video e seu post a respeito do mesmo estao perfeitos. Parabens!