Madrugada de sexta para sábado. Em meu quarto aguardo pacientemente o final de um download enquanto navego internet adentro. A televisão já estava desligada e mais alguns minutos eu iria dormir.
Pancada seca, freada e o barulho assustador de ferro, metal e vidro retorcendo e quebrando, repetidamente. Dou um pulo e já estou na janela, que fica de frente pra Avenida Conselheiro Aguiar; sete andares abaixo vejo um pálio de cabeça para baixo, ainda balançando; à sua frente, um fiesta e outro pálio parados no meio da rua.
Começam a parar diversos taxistas; aparecem pessoas nas janelas; descem pessoas à calçada; gritos. Se já não bastasse o acidente em si, começa uma briga feia. Do alto eu não entendia exatamente o porquê da briga, mas foram socos, pontapés e até um "voadora". Acusações de ambos os lados. "-olha o que você fez, seu irresponsável! E agora? Um dos homens exaltados leva um soco e cai sentado no chão, bem em frente a um carro que vinha vagarosamente pela faixa liberada. Foi por pouco.
Quando finalmente consigo falar com a polícia pelo telefone, resolvo descer. Haviam uns 15 moradores do prédio lá embaixo, inclusive meu pai. Quando chego à calçada, há um homem recostado num portão, mão enfaixada com uma camisa e sangue em volta. Ele gemia e alguém conversava com ele. Já haviam se passado entre 10 e 15 minutos do acidente e nada da ambulância chegar. Dentro do Pálio de cabeça para baixo, saíam da janela os pés de um passageiro ferido, não cheguei perto pra vê-lo lá dentro, mas estava consciente; um homem conversava com ele, "fica acordado hein?" - diz ele,"- eu sou médico, fica calmo".
O que me chamou atenção é que apesar de haver chegado um carro da polícia, nenhum dos policiais conversou com o ferido dentro do carro, e nem sequer isolou a área em volta.
O homem que estava no chão levanta-se com dificuldade, ajudado por outra pessoa.
- Rapaz, fica aí no chão deitado...você não sabe o que pode ter acontecido com você... - diz um homem, identificando-se como médico. - Depois você tem uma lesão aí na coluna...vai saber. - comenta o médico, desaprovando-o. As pessoas olham e o ferido sai andando pela calçada sem dar atenção. "Ele tem plano de saúde" - diz alguém. "É funcionário da caixa." - diz outro.
Como se já não bastassem os 03 carros acidentados no meio da rua, param outros carros de curiosos em geral e muitos taxistas. Reparo que praticamente todos os carros que param e as pessoas descem, todas são homens. Eles andam em volta da cena , conversam, apontam a lataria amassada. Parece-me que tem uma necessidade de "atestar" quem errou, quem fez o quê.
Mas o grande responsável pelo acidente, este sim, todos nós já sabíamos. Era o motorista do Fiesta, completamente embriagado. Mal conseguia falar:
"-Fui em quem fiz isto?" - Diz o culpado, entre o riso e o choro.
"Mas rapaz...que merda" - continua, como se estivesse falando de outra pessoa.
Finalmente chega uma ambulância, mais de 20 minutos depois. Com ela também chegam bombeiros e um carro da perícia trazendo um perito e um fotógrafo. Mais curiosos chegam, carros param, somente homens.
"- olha, eu vinha numa boa, e aquele ali ó, que está alterado ,embriagado, veja o estado dele..." - diz uma mulher seguindo um perito. Ela é a motorista do segundo Pálio, que foi fechado pelo bêbado e que quase também bateu com o outro que capotou.
As pessoas chegam mais perto do carro capotado. Bombeiros e paramédicos pedem a colaboração para que todos se afastem. Rapidamente tiram um senhor ferido de dentro e o levam para ambulância. Chegam pessoas em volta, cercando o veículo de socorro.
A polícia não interdita a rua. Passam vários ônibus, todos diminuem a velocidade para contemplar a cena. Um deles traz um gupo tocando pagode, todos se levantam, olham, falam, o pagode continua.
O ferido retirado do carro recebe os primeiros socorros. Chega um homem bêbado e puxa conversa com as pessoas que estão na calçada, explicando:
"pois é...olha aí. Essas coisas né? Tá tudo muito ajeitado, o homem não morreu não." - diz o sujeito que acabara de chegar.
"Essas coisas quando tem que acontecer né? A gente num escapa...olha aí, mas graças a deus ele tá aí... - continua a explanação.
"- tá tudo em paz com ele, minha gente. Foi difícil mas tá tudo bem agora. Essas coisas são assim..podia ser pior né?"
A ambulância sai. Continuam muitas pessoas no local, o bêbado continua dizendo suas "teses"; as pessoas ouvem impacientes. O outro bêbado, este o motorista causador de tudo, conversa com a polícia e com a moça do outro carro. Pergunto-me como é que não levam o desgraçado logo pra delegacia e o prendem, afinal ele estava embriagado e quase matou várias pessoas. Porque não fazem o teste do bafômetro? "porque é poibido po lei...não pode fazer." - diz uma moça presente.
Resolvo ir embora. Muita gente ainda permanece ali. Chamo meu pai pra ir comigo e vamos com mais alguns outros moradores subindo as escadas do prédio.
"- 22...16..."
"o que é isso, pai?" - pergunto.
"vou jogar na milhar amanhã, pode dar sorte"
"HEIN?"
"É a placa do carro...nunca se sabe né?"
Uma hora depois vou à janela, já está quase terminando a madrugada. Haviam algumas pessoas na cena do acidente. Vou dormir.

2 comentários:
mas e aí, e o milhar?
lembra quando eu quase atropelei o busão na boa vista???
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
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