
A mais recente polêmica discutida em blogs, comunidades do Orkut e na própria imprensa em geral é a declaração do secretário de Estado (Cultura) Ariano Suassuna. Conhecido por declarações que já fazem parte do folclore do escritor, como ser radicalmente contra Michael Jackson, Chico Science, Beto Carrero, Moraes Moreira, Lírio Ferreira e qualquer manifestação artístico/comercial que não utilize elementos genuinamente brasileiros da cultura popular. A bandeira que Ariano prega é a do Movimento Armorial, que abrange a música, poesia, literatura, escultura e diversas manifestações de origem popular; permeado por uma espécie de "erudição".
Bom, depois de uma breve introdução vamos aos fatos: Numa aula-espetáculo, na última sexta-feira, Ariano disse que "o compositor da música Pra Te Conquistar, da Banda Calypso, era idiota e imbecil".
Deve-se respeitar Ariano Suassuna pelo que representa em nossa cultura, especificamente como autor literário mas também como pensador, mestre e mesmo pela longevidade alcançada, mas não concordo com tamanha asneira dita por ele.
Pra começar, deveria portar-se como o cargo que ocupa exige - chamar alguém de forma tão grosseira publicamente, sendo uma pessoa pública e responsável pela política cultural é depor contra si mesmo. Afinal, Ariano Suassuna comanda todo um trabalho de incentivo, patrocínio, divulgação e oferta de bens culturais.
Será que o Movimento Armorial é a única coisa que valha dentro da cultura, ao lado de manifestações ditas "típicas do Brasil"?? Ora, não deixa de ser um raciocínio "simplista" (conforme alguém gritou na hora), ou mesmo uma forma de elitização? Sim, pois se fechamos o cerco ante os princípios dos armorialistas encontramos algumas coisas paradoxais. O frevo, por exemplo, ritmo pernambucano tão característico tem ecos originários dos Estados Unidos. Se pensarmos que em Nova Orleans, berço do jazz, utilizava instrumentos de sopro para rechear o compasso, tal qual o frevo que se utiliza de sopros, estes, certamente, não são produto nacional brasileiro. E quando surgiram os bailes de carnaval, no início do século XX (tal qual vemos hoje) eram frequentados pelas classes A e B, incluíndo aí os primeiros autores de marchinhas. Devemos apenas valorizar a arte que Ariano prega em suas aulas-espetáculo?
Pergunto-me se, por exemplo, o povo de Pernambuco gostaria que todo evento cultural público que houvesse no estado fosse de cunho armorial. Imagino que as pessoas não gostariam de verem sendo privadas de acompanhar outros ritmos populares, aí incluindo violeiros, cantadores, Calypso, Zezé Di Camargo...
O Brasil é um país miserável por um lado e extritamente popular. O povo, que é deixado à margem de tanta coisa (que seria obrigação), transforma e cria seus ritmos que refletem a nós mesmos. Sim, somos bregas! Somos populares! Se assim fica mais claro.
Calypso é uma das bandas mais populares do Brasil atualmente, ao lado de outros que são execrados pela nossa "elite". Tirar o mérito de um compositor popular como Chimbinha, que com sua música arrasta multidões país afora é ficar cego ao que somos. O calypso, como ritmo, é originário (em se tratando de Brasil) do Pará. A quantidade de pessoas que compra os discos, vai aos shows é imensa. Este público é genuinamente brasileiro e se vê refletido em suas músicas. Como exigir de um país de populares (como se diz tanto por aqui), sem acesso à educação que eles estão errados em gostar de Calypso? Palmas ao compositor e a Joelma, cantora da banda; as músicas falam diretamente com esse Brasil que muitos preferem ignorar. Não quer dizer que esse público não possa ter acesso à música erudita, aos ditos "compositores e artistas de raiz", etc. Será que Ariano seria contra as marchinhas de carnaval como mamãe-eu-quero tão populares na década de 20/30?
Definir o que é genuinamente brasileiro é algo difícil, chamar de idiotas artistas de brega, funk, sertanejo, pagode e outros "malditos" como faz Ariano é subestimar uma cultura tão genuína quanto um tocador de rabeca.
Ninguém é obrigado a gostar, claro, eu mesmo não gosto nem de longe da banda Calypso, é um estilo musical que não me agrada, nem por isso deixo de reconhecer o valor que eles têm. Ora, se o filme mais assistido de 2005, Dois Filhos de Francisco, levou um público recorde para o cinema nacional, isso diz muita coisa do que somos e de nossa formação, deixando de lado um bom roteiro como responsável único pelo sucesso. O Brasil de raízes rurais, o Brasil do povo (aquele que é feio e incomoda), viu-se no cinema.
Como não enxergar com naturalidade e respeito o funk? As favelas cariocas são um mundo de excluídos (aliás, todas as favelas), permeado por violência, sexo, linguagem chula, mas também de um povo que consegue ainda ser feliz; que vai no Baile Funk Brasil afora e canta a plenos pulmões músicas que falam daquilo que vivem. Podem conhecer outras formas de cultura? Claro que podem, mas não se pode fechar os olhos pra cultura própria dos morros.
Ariano Suassuna é arrogante sim, quando chama Chimbinha de idiota. Está se dirigindo pra toda um povo que vai aos shows, compra os discos, fica feliz em casa com o rádio ligado numa rádio AM. Este mesmo povo que vai num concerto de Antônio Nóbrega em pleno Marco Zero, centro do Recife. O que dizer de um ídolo popular como Roberto Carlos? que no início da carreira sofreu preconceito dos colegas bossanovistas e é há décadas um ícone da música nacional. Chico Science errou ao utilizar guitarras com o maracatu? E toda essa geração ávida em ouvi-lo até hoje e que a partir dele conheceu um maracatu de baque solto?
A cultura de um povo é feita de interferências, associações e diferentes linguagens que vão se incorporando e fazendo espelho as suas próprias raízes. A cultura jamais será extinta, mas poderá ser carregada de novas referências. Assim como os tocadores da banda de Pífanos de Caruaru são de uma beleza e verdade, assim como a literatura de cordel sobrevive no seio do povo, temos um Maestro Spok que insere elementos de jazz no frevo e arrebata multidões no carnaval, bem ao lado das troças e côco de roda.
Ariano meu velho, o Brasil é tão rico e verdadeiro quanto um tocador de viola, uma Fafá de Belém, um Chico Buarque, etc. Somos um país multicultural, desde a época da colonização, achar que uma manifestação popular se resume aos seus conceitos que restringem nossa cultura é uma visão injusta.

10 comentários:
honestamente?
deteminadas coisas vindas de Ariano, eu passo...
não gostei e não gosto da indicação dele pra pasta da cultura, claro, mas claro mesmo q eu adoro as coisas q ele fez e faz, mas pera aí? precisa ser tão protecionista... não vou me adimirar se começarmos a perder espetáculos e mais espetáculos interessados em aportar por aqui ou simplesmente serem montados, porque vão de encontro ao que esse cidadão pensa.
Vc não é o único q critica ele, ano passado no Cine Pe, ele apareceu num longa criticando a pluriculturalidade (!!!), levou uma vaia unissona, até eu vaiei, enfim. Junte-se aos bons, aos maos, aos ruins... acho q temos mais a ganhar do que ficar do lado do bem junto com ele. é isso...
vou adicionar nos links la do meu blog pra eu sempre voltar aqui, certo? :)
Ótimo texto! Concordo de A a Z! Copiando aqui pro meu blog, com referência ao seu, é claro! E favoritos também =)
Abs,
Meu. Q massa seu blog. Quanta sensatez. É difícil eu concordar com duas palavras que as pessoas dizem, concordei com quase tudo q vc falou. Foi um dos melhores que eu encontrei. Se eu tivesse que te dar nota na comunidade do Blogger eu daria dez. vc é profissional?
Ps: só fiquei triste pelo pai dos smurfs.
Acho que o Ariano tem a preocupação saudável de promover e valorizar a cultura de nosso país e por isso vez que outra exagera,como quando diz que rock é um lixo.Parece que ele confunde toda e qualquer música estrangeira,principalmentre as cultuadas pelos jovens,com o enlatado descartável imposto pela indústria.
É que realmente é preocupante percebermos que depois da Jovem Guarda e do Tropicalismo os gêneros nacionais deram lugar aos estrangeiros na preferência dos novos valores artísticos,ficando a música nacional representada pelos "pastiches"padronizados produzidos pela indústria fonográfica (axé,pagode romântico,sertanejo pop brega,tchê music,e outros Calypsos).Não!isso não é popular,isso é subcultura de massa.Dizer que esse tipó de cultura expressa o que realmente somos mal ou bem é desconsiderar um Cartola,produto do morro,ou Luis Gonzaga.
Mau, como vc tem escrito tão bem! Fico muito contente.
Concordo com sua opinião sobre o ocorrido. Ariano tem seus méritos, mas ele não vai mudar mais sua forma de pensar. Tá velhinho, como a minha avó. Claro que o tempo dele é hoje e, por isso, falta-lhe um pouco de informação. Sobre a importância de um cargo público, sobre História da dos Movimentos Artísticos etc. Gosto muito do Movimento Armorial. Mas, se quisermos nos ater apenas ao que é produzido pela cultura popular brasileira, podemos enxergar muitas contradições em Ariano. Pauto isso nas informações que vc forneceu. Primeiro, teríamos de mudar o nome do Brasil pra Brazil. E nada, repito, nada cultural que temos aqui deixou de sofrer alguma influência externa. As coisas ficam tão enraizadas que nos esquecemos disso. Já pensou se prendem Ariano em flagrante por crime de injúria?
Perfeito! Seu ultimo mandato como Secretario da Cultura foi um caos! Tomara que ele continue metendo os pes pelas maos e va rapidinho colocar seu pijama!
Mesclado, não sou profissional do tipo "jornalista", se foi isso que vc perguntou, mas venho escrevendo já a algunm tempo. Abraço!
Marco, discordo de você em parte. Não é subsubcultura, aliás, acho esse termo da forma como é usado (na grande maioria das vezes) uma forma de preconceito. Subcultura por que? Porque advém da classe
baixa? Por isso é sub?
Artur, valeu pelas palavras, aliás, com a escrita que vc tem eu fico lisonjeado. Abração!
Não dá pra elaborar comparações entre o preconceito sofrido pelo cantor/compositor Roberto Carlos, à época da Jovem Guarda, e a discriminação demonstrada pelo escritor Ariano Suassuna em relação ao vocalista da banda Calypso. Essa analogia não faz sentido, Maurício. Ora, o Roberto Carlos canta o amor, a ternura, o envolvimento e a vida, apesar de não dar margem a conteúdos políticos em suas letras. Ele nunca reuniu um conjunto de mulheres semi-nuas no palco, dançando ao som de melodias maçantes, apelativas e excessivamente dramáticas (já que a vocalista da banda, cujo nome não recordo, grita e chora, ao invés de cantar). O Roberto era, aliás, É um grande músico. Ele soube popularizar, sem, no entanto, vulgarizar. Você diz que o funk e o brega são a representação do povo e de sua realidade? Eu concordo, mas não acho que isso seja positivo ou simbólico, e sim, alienante e devastador. Não necessitamos de cultura inútil. Nesse ponto, o Ariano está certíssimo. A questão é que o escritor pecou pelo excesso, pela descortesia, pela falta de bom senso e respeito a um cidadão. Mas, essencialmente, ele demonstrou coerência. O que nós somos obrigados a escutar nas rádios populares é puro lixo sonoro; é como uma grande avenida em horário de pique: muito barulho por nada.
Eu discordo com Ariano.Quando eu estava no Brasil em janeiro , passou no Fantastico uma entrevista onde ele criticava Michael Jackson e outros.Eu mesmo, adoro Michael, Madonna, ABBA, Calypson(tenho um DVD e dois cds), Saia rodada, Marrete you Planeta, Marisa Monte, Maria Betania(DVD e varios cds), Roberto Carlos e por ai vai.Ninguem vai me dizer o que eu quero ou devo ouvir e curtir.O nome disso se chama RESPEITO, respeitar a diversidade.O que e bom para mim, nao nescessariamente sera bom para outras pessoas.Vamos acabar com a intolerancia.Please!
Beijo Mau , Love ya.
Sobre a importância de Ariano e do movimento Armorial no Brasil, acho que todos concordam, mas quando entram as questões sobre o que é originalmente popular, o que presta, e todo o blá blá blá que o tema envolve, aí começam as discussões! São questões que vão além do "eu gosto", "eu acho", diz respeito à identidade, à arte, cultura de massa e uma série de questões. Particularmente, sendo breve, não acho bacana o radicalismo de Ariano, nem tão pouco a arrogância dos críticos de arte. Sou a favor da liberdade de expressão. Dê EDUCAÇÂO ao povo e deixe ele livre em suas opções.
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